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sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Conto do pé sem meia.




E Alice abriu os olhos. Permaneceu assim por alguns instantes. Notou, sem ao menos se movimentar, que uma de suas meias havia se “desvestido” de um dos seus pés. O direito, talvez.
E Alice abriu os olhos. Numa fração de segundos voltou a fechá-los. Decidiu que desta vez só iria ouvir. Ainda de olhos fechados levou a mão até a boca e limpou, na manga do seu pijama, uma boa quantia de baba que parecia ter se cristalizado em seu queixo. Embora a baba a pertencesse, Alice não conseguia fazer isso sem esboçar uma cara de nojo. O silêncio começou a incomodá-la. A garota começou a imaginar sua casa pegando fogo, seus pais gritando, suas bonecas derretendo feito o relógio de um quadro que sua professora mostrara há uma semana atrás. Resolveu pensar numa música.
E Alice abriu os olhos. O sorriso que brotou no rosto daquela doce criança só não foi mais rápido que os raios de sol, que varavam seu pequeno quarto cor-de-rosa de ponta a ponta. Finalmente era dia! E sem nem dar tempo de suas retinas se acostumarem com tamanha claridade, Alice saltou da cama. Observou que havia um pequeno pedaço de pano verde do lado de seu travesseiro, e concluiu, depois de alguns segundos, que era sua meia. Alice não teve tempo de pensar em como ela tinha ido parar lá.
O pé sem meia ia deixando marcas de calor no piso de madeira, enquanto o outro, visivelmente encontrava certo esforço para caminhar naquele chão recém-encerado. Desceu as escadas afoitamente, e imaginou que se seu avô a tivesse visto, iria perguntar se ela estava indo tirar o pai da forca. Alice nunca entendeu essa piada, e nunca soube certamente em qual momento da vida ela se encaixa.
Alice parou. Podia ouvir seu coração batendo forte, como se fosse sair pelo seu ouvido. Sua respiração estava ofegante, e hora ou outra a menina inspirava dois ou três fios do seu cabelo para dentro da garganta. Ainda bem que esta colado na cabeça – pensava Alice, sempre que passava o dedo indicador no rosto com a intenção de puxar os fios para fora novamente. Naquela sala estava o motivo daquela noite tão mal dormida. A sala tinha um grande tapete marrom, que cobria quase, se não todo o chão. As paredes brancas faziam com que o sofá, também branco, parecesse um grande bloco de gelo. E lá no fundo, estava ela. Um grande pinheiro, imponente, reinando absoluto em meio aquela decoração tão requintada. Na sua ponta, uma grande estrela prata derretia fios de ouro que entrelaçavam todo o corpo da árvore, parando como gotas de orvalho sob as diversas caixas coloridas que se aconchegavam no macio tapete marrom.
Realmente como se fosse tirar o pai da forca, Alice correu em direção as caixas. Era uma mais bonita que a outra. Tinham laços de todas as cores possíveis, e os mais variados tamanhos de pacotes. Mesmo sem saber ler, Alice reconhecia seu nome, como se ele fosse um desenho, pois sua mãe sempre desenhava olhos e uma trancinha na letra “A”; e assim, a menina encontrou seu embrulho. Era uma caixa grande. Branca. Do seu topo, um grande laço fez com que Alice se lembrasse da namorada do Pato Donald e cogitasse a idéia de mais tarde amarrar aquilo no cabelo com um grampo.
A garota sentia seu rosto queimando, tamanha a felicidade. Eram tantas as coisas que ela havia escrito naquela carta. Seria impossível adivinhar qual delas foi à escolhida. O forninho? A boneca que faz xixi? A casa da Barbie?
Ao olhar dentro da caixa, o sorriso da menina desapareceu. De lá de dentro, Alice puxou um pedaço de tecido azul com algumas rendas. Era um vestido. Com a mesma velocidade que a garota desceu as escadas, ela subiu. Levando na mão apenas o laço, que agora parecia incrivelmente estúpido, ela deslizou para de baixo do seu edredom, arrancou a única meia que tinha no pé e começou a chorar.
Aquele foi o pior natal que tivera.

3 comentários:

Thiago Gacciona disse...

Animal cara!
Principalmente a parte so silêncio e do fogo.
É autobiografico?
Abraço.

Carlos Gouveia disse...

Não sei, acho q no fundo tudo é autobiografico rs
valeu.

Anônimo disse...

Ótimo! Amei!Amei

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E eu te pergunto: E dai?