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terça-feira, 25 de novembro de 2008

Infausto




O dia ainda era quase noite. Osvaldo terminava suas ultimas orações. Aquela encruzilhada nunca foi muito movimentada, o que dava mais tranqüilidade para o homem de físico miúdo e pele negra fazer o teu serviço.
Osvaldo trabalha com reciclagem de lixo, percorria quilômetros por dia atrás de papelão, latas, e qualquer outra coisa que possa ser reaproveitada. Numa dessas buscas, ele se deparou com um livro. Embora não tivesse passado da terceira série, Osvaldo era um homem curioso, e praticava sua leitura no que encontrava pela rua. Aquele livro era um verdadeiro “Faça sua macumba em 3 passos”, coisa que, até aquele dia, Osvaldo nunca pensou em fazer. Mas fez.
- Rei das trevas, das profundezas do inferno, peço que interceda por mim. Preciso que a seleção brasileira de futebol perca o jogo contra a Argentina, em troca, serei eternamente teu servo, e minha alma não será mais minha, e sim, tua.
As últimas palavras saíram trêmulas da boca de Osvaldo, quase como se o próprio som das vogais se recusasse a fazer parte desse sacrilégio.
Agora o sol já iluminava toda a rua, e uma legião de trabalhadores, com a cara inchada de sono saia de suas casas, dando inicio a mais um dia normal.
Osvaldo se sentia incomodado pelo que fez, não era de sua personalidade, mas vender a alma ao diabo foi sua única escolha.
Há uma semana atrás, Osvaldo tomou algumas doses a mais de pinga, e acabou por criar a situação mais absurda de sua vida. Paulo, ou Paulão como é conhecido, é um homem robusto, mais gordo do que forte, careca e muito, muito desvirtuoso. Na ultima rodada do carteado, Osvaldo já tinha perdido todo seu dinheiro, estava alto e seu cérebro já não dava muito sinal de vida. Foi nesse estado, que Paulão propôs a Osvaldo a seguinte aposta:
- Terça feira vai ter jogo. Se o Brasil ganhar você me paga o dobro do que já pagou hoje e vou passar uma noite com sua esposa, mas se o Brasil perder, ficamos quites.
Osvaldo aceitou. Agora ali estava aquele homem que já não se sentia como homem, que já não via um futuro. Sua existência passou a ser desnecessária. Tinha apenas um objetivo: Livrar Rosa de Paulão.
Rosa era uma moça de estatura mediana, não era negra nem branca, cabelos bem encaracolados, negros. Uma mulher que apesar dos maltratos, ainda exibia um ar de beleza. Conheceu Osvaldo num baile, no segundo dia já começaram a namorar, na semana seguinte já dividiam a mesma casa, e alguns meses depois já tiveram o primeiro filho, John Travolta; uma homenagem singela de Rosa para o seu ídolo da adolescência.
Osvaldo passou na padaria, comprou dois pães com o único dinheiro que tinha, e foi para casa.
No caminho foi pensando em tudo, estava tão aturdido que chegou a passar pela pequena porta do seu barraco, sem a reconhecer.
- Você demorou homem! Só dois pães?
- É, comi o meu na rua mesmo.
- Fica com essa metade do meu, se vai pra rua, tem que comer mais. Eu vou levar o John pra escola, a gente se vê à tarde.
- Rosa?!
- Que é?
- Se cuida.
Aquela foi a ultima vez que Osvaldo viu Rosa, talvez se tivesse consciência disso teria dado um grande beijo e a agradecido pela grande companhia que ela foi por esses anos, mas tudo isso ficou resumido no “se cuida”.
Na rua, o homem vagava sem rumo. Não queria acompanhar o jogo, seria mais difícil para ele acompanhar o teu futuro em duas partes de quarenta e cinco minutos. Se ele via alguma TV sintonizada no jogo, mudava de calçada, se ouvia em alguma rádio, cantarolava alguma musica, geralmente alguma sertaneja, pois o fazia lembrar de seu pai.
Ainda não acreditava que além de perder a alma, poderia perder Rosa. Sabia que Paulão não era homem de brincadeira, e que era bem capaz de pegar Rosa a força em algum beco daquela cidade depois daquele jogo. Pensava no filho, e como gostaria de ter sido um pai melhor. Ter levado mais vezes o garoto para o parque, lembrou da vez que levou o garoto ao circo, e como eles se divertiram com um macaco que sabia andar de bicicleta. Aquelas lembranças comprimiam mais o seu peito. Aquela altura, o jogo já estava quase acabando, suas mãos tremiam, e Rosa flutuava em sua cabeça.
Só no terceiro bar que Osvaldo entrou tinha TV, e claro, estava sintonizada no jogo.
O Brasil perdeu. Paulão perdeu, eu perdi – pensou Osvaldo. Estava livre da pressão de Paulão, mas agora sofria a pressão de uma força bem mais forte. Será que a tal macumba havia realmente funcionado? Agora sua alma já pertencia ao demônio?
- Paulão?
- Quem é o filho da puta que me liga a cobrar?
- È o Osvaldo, Paulão! Posso ficar tranqüilo agora? Estamos quites?
- Estamos quites sim. Agradece a Deus, três a zero foi presente pra você!Vai cuidar da tua vida e aprende a jogar baralho, vacilão.
Osvaldo saiu do bar, estava mais leve. Rosa e seu filho estavam seguros. Mas a tranqüilidade durou pouco, o badalar de um sino de alguma igreja nas proximidades trouxe Osvaldo de volta a realidade, de volta a tua vida de condenado.
- É um chamado! Esse sino! Sei que o que fiz foi errado, quero pedir perdão a Deus. Criar meu menino... A gente tem muito macaco de circo pra ver ainda!
Osvaldo foi em direção a igreja, nunca sentiu tamanha fé em algo superior antes, afinal, Deus não foi muito generoso com ele e sua família desde quando ele ainda estava na barriga de sua mãe, mas agora, estava decidido. A macumba não podia ter dado certo, as velas nem eram da cor certa, e ele não usou galinha alguma, pois se tivesse uma galinha, teria comido na noite anterior quando dormiu mais cedo pra não sentir mais fome.
Ao atravessar a rua, um carro vermelho virou a esquina num rompante, acertando em cheio o corpo franzino de Osvaldo, que rodopiou no céu, como se fosse um balé de despedida. Seu corpo cai num estrondo seco no chão. O silêncio só foi quebrado pelo desespero do motorista, que correu em direção ao corpo de Osvaldo, segurando uma garrafa de cerveja e vestindo uma camisa da Argentina.

1 comentários:

Thiago Gacciona disse...

Hey Juanito!!!!
Un infausto sob un hombre in busca di un sogno, una mujer...
Buom texto!
Abraço...

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E eu te pergunto: E dai?