Powered By Blogger
quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Medalhas


Lembro-me que era uma sala razoavelmente grande. Com cinco ou seis conjuntos de mesinhas verdes, descascadas. Hoje em dia, acredito que o acento de cada cadeira não chegue a minha panturrilha, mas na época, podia até balançar os pés, suspensos no ar. Era uma manhã, talvez de quarta ou quinta-feira, Tia Cátia usava uma jardineira também da cor verde, mas um verde mais escuro, talvez escolhida pela sabedoria de uma mulher que não queria ter a roupa combinando com as mesas da sala de aula. Ela era loira, tinha os olhos claros, grandes, seu corte de cabelo era bem típico dos anos noventa. Dá sua mesa passou o recado para sala. Anunciou que na próxima aula haveria uma competição. E para o ganhador, retirou de sua bolsa preta, que sempre ficava pendura apenas de um lado do encosto da sua cadeira, duas medalhas. Elas eram grandes, pesadas, e muito bonitas. Quando eu as fitei, soube que as queria, pelo menos uma delas.
No final da tarde daquele dia, cozinhei meu ovo e enfiei-o na mochila, junto com uma colher de sopa. Era essa a competição. Corrida com o ovo na colher.
No grande dia, Tia Cátia levou os alunos para fora da sala. Era uma dia muito quente. Lembro-me de sentir cheiro de cabelo queimado debaixo daquele sol; e de que um dos meninos, que usava chinelo, foi obrigado a ficar descalço já que o suor que saia do seu pé transformava aquela poeira do chão de terra numa camada escorregadia de barro. Tia Cátia então separou os meninos das meninas. Explicou como seria a prova. Eu estava nervoso. Mal conseguia segurar a colher e o ovo com a mão, imagine com a boca. E naquele chão seco foram feitos duas riscas, de saída e de chegada. O percurso não era muito longo, mas estava muito quente, e cá entre nós, o sol sempre me deixa sem vontade de viver, ou correr com um ovo e uma colher na boca. Mas meu desejo pela medalha era maior.
Primeiro as meninas brincaram. Brincar é modo de dizer, pois para mim, aquilo era coisa séria. Não me lembro como foi a corrida, pois desde pequeno sou muito egocêntrico. Certamente estava pouco ligando para qual das meninas iria ganhar, só estava pensando em mim naquele momento. Ana Paula ganhou, se não me engano. Ela era uma loirinha nojenta, que todos os garotos queriam namorar. Anos mais tarde, essa loirinha nojenta se tornou uma das minhas melhores amigas, e deixou de ser nojenta.
E finalmente chegou a hora. Estávamos numa posição parecida com a que os presos ficam para serem executados. Do meu lado estava um garoto, não me lembro do nome, mas usava roupas muito estranhas para sua idade. Tinha o cabelo lambido por gel, ou creme rinse, e usava camisa social com bermudas.
Quando ouvi o grito estridente de “já” da Tia Cátia, eu já estava correndo. Olhava para o meu destino, a outra linha do lado da gangorra enferrujada, e para a fila que insistia em me acompanhar, todos juntos. Aos poucos pude ver a pequena dupla de perninhas com bermudas ficando para trás, e os pés, cheio de barro, reclamando que o chão estava muito quente. Eu apenas corri. E como se tivesse sido abduzido, acordei do outro lado da linha, com a gritaria das meninas. Tia Cátia aplaudia, feliz. Até pensei que ela poderia estar torcendo por mim desde o inicio, mas hoje em dia acredito que ela apenas se envolveu naquela bizarra competição. Alguns de meus amigos ficaram realmente felizes, mas alguns, talvez com uma personalidade mais parecida com a minha, usavam desculpas do tipo “A colher dele era mais funda”, “Estou descalço”, “Meus pais estão se separando”.
Já na sala, nem a massinha colorida me empolgava, e quando fomos dispensados, corri. Talvez tenha corrido mais rápido que na própria competição. Não via a hora de chegar ao carro da minha mãe e mostrar a medalha. No banco de trás, a tirei da mochila. Observei-a em silêncio por alguns instantes, e percebi que havia algo escrito na parte de trás: Campeão 91.
Hoje, dezessete anos depois, sei que ainda tenho essa medalha. Lá na casa dos meus pais, naquele quarto que já não durmo mais. No meio daquele armário cheio de memórias, sei que ela esta lá.
E assim são as medalhas que a gente conquista na vida. Verdadeiras medalhas são aquelas que você tem certeza que sempre poderá contar. Não importa há quanto tempo você as tenha conquistado, elas sempre serão suas.
E sempre que eu precisar me sentir um campeão, elas estarão lá para me ajudar. E eu estarei aqui, para faze-las se sentirem sempre valiosas medalhas.


Para todos meus amigos. Os velhos, e os novos.

1 comentários:

Unknown disse...

Que lindo K....

Postar um comentário

E eu te pergunto: E dai?