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domingo, 11 de abril de 2010

A garota do metrô - Final




Andrea estava de pé, em cima do telhado de uma velha casa. Chorava desesperadamente, e a maquiagem que escorria de seus olhos, transformava aquela bela face num misto de filme de terror com uma tela de Dali. A garota arremessava ferozmente DVDs nos transeuntes que passavam pela rua. Na calçada, Renato gritava e implorava para que Andrea não pulasse. O jovem levantou as mãos para chamar a atenção da moça, quando notou que seus braços estavam cobertos de cicatrizes e feridas abertas. Notou também, que suas mãos estavam delicadas e finas, e suas unhas estavam pintadas com um tipo de esmalte de cor rosê. Renato estava com mãos de mulher. Através de uma poça d’água no asfalto, viu seu reflexo: Sua testa também estava cheia de cicatrizes. Ouviu um grito, e viu o corpo de Andrea batendo secamente num gramado tão verde que fez suas vistas arderem. Ele acordou. Tinha o corpo trêmulo e suado. Desde que descobriu que, talvez, Andrea se mataria após assistir os mil e um filmes, não tinha conseguido ter uma boa noite de sono. Sentou-se na cama, e em seu criado mudo, observou o bilhetinho rosa sendo iluminado pela luz fraca do abajur. “Não sei se você é louco, ou extremamente romântico,” – era o que Andrea havia escrito, numa letra tipicamente feminina.
Renato não conseguiu mais dormir, e como faltava pouco para que a luz do sol o convidasse para mais um dia de trabalho, e mais importe, mais um bilhete, levantou-se e foi dar inicio ao seu dia.
Pegou o metrô e foi até a locadora. Aline ainda estava com cara de sono quando o rapaz chegou. Tinha o cabelo meio despenteado, e aquele mau humor matinal que algumas pessoas têm. Aline mal humorada tornava-se mais charmosa que o habitual. Convidou então Renato para tomarem um café da manhã, na padaria da esquina. O casal passou os próximos minutos conversando, e conhecendo-se. Renato falava de Andrea constantemente, e Aline por duas ou três vezes quase revelou o verdadeiro nome da garota, mas graças a um grande pedaço de pão que tinha na boca, Renato não conseguiu ouvir, nenhuma das três. Aline comia de boca aberta, pelo menos durante a manhã. A garota revelou que pela manhã não consegue pensar em muita coisa, muito menos se lembrar de fechar a boca.
Os dois voltaram para a locadora, e Renato escreveu outro bilhete, e colocou dentro da caixa de um filme de Costa-Gavras, “Z”.
Ela me perguntou como você era – falou Andrea enquanto prendia seus cabelos num rabo de cavalo alto, que revelava sua nuca com uma pequena tatuagem do famoso olho de “laranja mecânica”. E o que você disse? – indagou o rapaz segundos depois.
Disse que você era gente boa, que estava apaixonado, que era bonito... – disse ela, sem olhar para ele.
Ele não estava acostumado a receber elogios, e a melhor maneira de disfarçar o constrangimento de saber que era bonito, foi ir embora.
E nos próximos três dias, foi assim que ocorreu. Renato acordava, tomava café da manhã com Aline, a questionava sobre a reação de Andrea, ao ler cada bilhete, escrevia um novo e se mandava para o trabalho, voltando ao final do dia para saber a resposta. Andrea assistiu Zabriskie Point, Zero for Conduct e finalmente Zero Kelvin, o filme de número 1001. Todos eles com bilhetinho dentro. Aceitou, no último bilhete, o convite para jantar.
Eram duas da tarde de um sábado, quando Renato começou a se arrumar para o jantar, que estava marcado para as oito, num restaurante bacana da cidade. Como ficou pronto muito cedo, resolveu ir à locadora, agradecer Aline pela grande ajuda que ela lhe deu durante esses dias. O jovem estava realmente bem vestido, e se não fosse o nervosismo típico da juventude, qualquer um juraria que ele já era um homem feito. Andrea lhe deu dicas de como se comportar, e até ensaiou com ele uns passos de valsa, mesmo alertando-o que hoje em dia, nenhuma garota dança valsa.
Quando o ponteiro do relógio caiu sobre o sete, Renato despediu-se. Abraçou Aline com carinho, e deu-lhe um beijo na bochecha. A moça exibiu novamente o largo sorriso simpático, mas desta vez, a jovem era quem estava nervosa, e o canto dos seus lábios pareciam que queriam fechar-se. Ele nem notou, e foi ao seu encontro.
Andrea já estava na frente do restaurante esperando-o. Fumava um cigarro de filtro vermelho. Dava grandes baforadas e criava em torno de si, uma nuvem de fumaça.
Os dois sentaram-se a mesa. A timidez era grande, e quando o assunto da idéia dos bilhetes tornou-se repetitiva, o silêncio predominou. Andrea saiu para fumar um cigarro quatro vezes, deixando Renato sozinho à mesa.
Porque você assistiu a todos aqueles filmes? – Perguntou Renato, tentando mostrar desinteresse no assunto, mas estava pensando nisso a noite toda. O jovem certamente esperaria ouvir a moça lhe revelar que havia pensado em se matar, mas que agora, sua vida fazia sentido, e coisas desse tipo. Mas não foi o que ouviu. Retirando da bolsa mais um cigarro e procurando o isqueiro, Andrea lhe explicou que assistiu aos mil e um filmes, seguindo o livro, pois fazia parte do seu projeto de conclusão de curso da faculdade. Renato não ficou muito feliz em saber que Andrea jamais pensara em se matar, muito pelo contrario, decepcionou-se um pouco. Tudo seria mais bonito, se ele a salvasse da morte.
A moça levantou-se para fumar outro cigarro, quando Renato, num rompante, fez a pergunta que deveria ter feito no primeiro segundo de conversa:
Qual seu nome?- perguntou olhando-a fixamente nos olhos.
Roberta – respondeu Andrea, saindo com o cigarro já entre os lábios, que aquela altura, nem pareciam tão perfeitos assim.
Renato ficou ali, brincando com o guardanapo durante alguns segundos. Roberta? Será que existe um nome mais sem graça que Roberta?
Pagou a conta, e deixou o restaurante sem nem se despedir de Roberta. Renato a achou arrogante, prepotente e nada romântica. Não era a mesma garota por quem apaixonou-se no metrô. Sentia-se um idiota. Passou na locadora para contar a Aline o péssimo encontro que tivera, e quão péssima é a tal Roberta. Aline não estava lá, já havia acabado seu expediente.
Voltou para o pequeno apartamento onde morava, desiludido. Gustavo e Lucas estavam na sala assistindo um filme qualquer. Não quis atrapalhar o casal e foi para seu quarto.
Sonhou a noite inteira com a garota perfeita, mas agora, ela tinha um largo e contagiante sorriso simpático no rosto. Acordou de manhã com Aline em seus pensamentos. Renato teve a certeza que agora sim, estava apaixonado realmente, e por Aline. Lembrou o cheiro que ela tinha quando a abraçou na locadora, de como era bonita com cara de sono, e o fato de comer de boca aberta o encantava. Renato foi tomar seu banho, para ir à locadora e contar seus sentimentos para Aline. Sim, agora Renato tinha coragem de declarar o seu amor para a moça de sorriso simpático. Estava o tempo todo interessado em Aline, e Andrea sempre fora apenas um pretexto para conviver com a balconista da locadora.
Enquanto estava no banho, Aline estava na plataforma do metrô. Nas mãos segurava a caixa de DVD de Zero Kelvin. Ela também havia visto os mil e um filmes. Inclinou seu corpo para frente, e tombou para dentro da valeta onde ficam os trilhos. Ele borrifava seu melhor perfume para encontrá-la. Ela já sentia a rajada de vento. Ninguém conseguiu salvá-la antes dos mil e um. O trem não conseguiu frear a tempo.

5 comentários:

Unicat! disse...

Ahhhh!!

Eu morri? rs..
Que graça da sua parte atender meu pedido!!!
E parabéns... o conto é ótimo. sem demagogia K!


Saudade forte!
Marcamos algo durante a semana?

Rodrigo Pépe disse...

muito bom Carlos!!
vamos fazer algo no sábado com Aline e Andrea? ha!
nos falamos! bjo!

Fernanda G. disse...

Trágico como de costume mas não deixa de ser bonito...

Percebi que os textos estão cada vez mais objetivos e cada dia melhores...

Beijo

Fernanda disse...

ahhhhhhhhhhh não quero assistir esse 1001 filmes ... droga ...ela tinha q se matar !!!!!!!!!!!
amei bessos

Line disse...

acho melhor vc escrever algo novo por aqui, antes que seja tarde! (pegou?pegou?!) hehe

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E eu te pergunto: E dai?