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sábado, 10 de abril de 2010

A garota do metrô - Parte II


O celular não precisou tocar para que Renato despertasse. Acordou espontâneamente vinte minutos antes do seu horário habitual. Tomou um banho demorado, porque o tempo o permitia. Entrou no quarto ao lado do seu, e com cautela abriu o guarda-roupas, fazendo o menor ruído possível para não acordar Gustavo, um amigo com quem morava há dois anos, e Lucas, namorado de Gustavo. Achou gozado ao assustar-se com o ronco de Lucas. Renato jamais imaginou que gays podiam roncar. Julgar-se-ia preconceituoso se tivesse falado isso em voz alta, mas como apenas pensou, achou uma divagação absolutamente normal. Todo mundo é preconceituoso em pensamentos. Escolheu uma camiseta com um ar mais moderno e a vestiu, ali mesmo.
- Essa camiseta é feminina – disse Gustavo, com uma voz gutural, e voltou a dormir instantâneamente.
Renato percebeu o quanto não compreendia de moda, muito menos do novo comportamento da sociedade moderna. Escolheu uma camiseta que fosse mais moderna que as suas, mas menos moderna que aquela que acabara de despir. Usou gel nos cabelos e saiu daquele pequeno apartamento, que ainda exalava um cheiro forte de maconha, resquícios da noite de Gustavo.
Caminhava pela rua num misto de medo e ansiedade, assim como um jovem soldado que vai à guerra defender o seu país. Renato realmente estava indo para guerra, talvez mais sangrenta que aquela que lera nos livros.
Chegando à estação do metrô, não deixou que suas pernas lhe guiassem, e sim seu coração. Desceu a escadas rolantes em direção a plataforma de Andrea. E lá ficou. A espera.
Doze minutos depois a avistou a alguns metros a sua frente. Sabia que não seria capaz, pelo menos naquele dia, de falar com ela, então apenas a observou. Os lábios de Andrea eram perfeitos, e agora que Renato podia vê-los de mais perto, encantou-se ainda mais, se é que isso era possível. O trem chegou, trazendo com ele uma rajada de vento. O garoto fechou os olhos, e entre tantos odores, reconheceu um, e teve a certeza que aquele era o perfume de Andrea. Causou-lhe uma pequena vertigem, como se fosse a primeira tragada de cigarro que se dá na vida. Algo prazeroso e diferente. Resolveu, em meio à embriaguez do momento, embarcar também. Sim, Renato resolveu segui-la.
Ela usava um vestido curto, rodado, uma pequena trança enfeitava sua cabeça do lado direito, e Renato agradeceu a maneira como ela se sentava, de pernas bem fechadas, pois não acreditava que seria capaz de ver a calcinha dela, e não esboçar nenhuma reação. Três estações adiante ela desceu, e ele foi atrás. Sentiu-se um tanto quanto psicopata, mas concluiu que ele e Andrea dariam boas risadas disso tudo assim que ele contasse pra ela, quando estivessem juntos vendo um filme qualquer, num cinema vazio.
Andrea entrou em uma vídeo locadora, ficou um tempo papeando com uma moça de sorriso muito simpático que estava do outro lado do balcão. A moça lhe entregou um livro grosso, parecia uma bíblia. Andrea o folheou, penetrou entre as prateleiras e cinco minutos depois saiu com um DVD nas mãos. Renato, na esquina, fingia que falava no celular, quando o mesmo tocou, ensurdecendo o rapaz por alguns segundos. Estava absurdamente atrasado para o trabalho. Despediu-se da garota do metrô em pensamento, e foi viver mais um dia longo e chato, sem Andrea.
Nove dias se passaram, e o ato de seguir a garota transformou-se numa prazerosa rotina para Renato. Andrea, todos os dias fazia o mesmo trajeto, e sempre passava pela locadora, papeava com a moça de sorriso simpático, folheava o grande livro, e pegava um DVD. Porém, naquela sexta-feira, Renato foi mais além. Não, o rapaz ainda não tinha coragem suficiente para trocar algumas palavras com sua mais nova obsessão, mas conseguiu reunir tamanha coragem para se aprofundar nos gostos dela, e resolveu conversar com a moça de sorriso simpático da locadora. Apresentou-se com seu nome verdadeiro, pois não conseguiu pensar num nome falso rapidamente. Fingiu estar interessado em associar-se, mas Aline, a moça de sorriso simpático, era realmente esperta demais para ser apenas uma atendente de locadora. A moça já conhecia Renato, afinal, o rapaz freqüentava a calçada do outro lado da rua ha alguns dias, e sabia do interesse dele por Andrea. Infelizmente, ela não lhe revelou o nome verdadeiro da moça do metrô, era contra o regulamento, mas achou tão romântico a atitude de Renato, que resolveu ajudá-lo. Isso é uma história de filme, disse ela, exibindo novamente aquele largo sorriso. De uma gaveta, ela retirou o grande livro, que todas as manhãs entregava a Andrea. Renato segurou o livro com as duas mãos. Se tratava de um exemplar bastante conhecido pelos amantes de cinema – “1001 filmes para se ver antes de morrer”. Aline folheou o exemplar quase até o final, e mostrou para Renato: Os filmes grifados com lápis eram os que Andrea já tinha visto. Para surpresa de Renato, Andrea já havia assistido novecentos e noventa e seis filmes, ou seja, faltavam apenas cinco filmes para a garota completar a surpreendente meta de mil e um filmes. Ao lado de cada titulo, Andrea colocava uma nota para cada filme. Notou que a garota, não era muito fã de ficção, já que havia pontuado Matrix com 6 pontos, e era uma admiradora de romances, pontuando “O guarda-costas” com 9.5.
Renato, aos poucos, foi se sentindo mais intimo de Andrea, sentia-se feliz, por conhecê-la mais intimamente. Mas, um pensamento obscuro lhe veio à mente: Porque uma pessoa segue com tanto afinco a indicações de um livro, cujo titulo é “1001 filmes para se ver antes de morrer”? Renato concluiu que, quando Andrea terminasse de ver os 1001 filmes, ou seja, daqui a cinco dias, talvez ela se mataria. Eram apenas os filmes que a mantinham viva. Não contou sua suposição para Aline, que estava realmente animada com tudo aquilo. O rapaz ficou aflito, e sabia que tinha apenas cinco dias para fazer com que Andrea se apaixonasse por ele, e desistisse da morte calculada.
Aline deu-lhe outra informação preciosa: A moça seguia com rigidez a seqüência de filmes que o autor sugeria, ou seja, dava para saber com certeza mais que absoluta, a seqüência de locação dos últimos cinco filmes que Andrea faria.
Com essa informação, Renato teve uma idéia: Dentro da caixa de cada filme deixaria um bilhete para a moça, contando como a “conheceu” e como apaixonou-e por ela. Teria um total de cinco bilhetes, em cinco dias para fazer com que Andrea crie o interesse de conhecê-lo, e no último bilhete, quando Andrea fosse finalmente devolver o DVD, ele a convidaria para jantar ou algo do tipo. Aline achou a idéia extremamente romântica, Renato achou um tanto quanto covarde. Escreveu naquele mesmo momento o primeiro bilhete, e o colocou dentro da caixa de “Young Frankenstein” .
Despediu-se de Aline agradecidamente, e foi para o trabalho.
No final do dia seguinte, Renato não agüentava de ansiedade e não via a hora de chegar na locadora e ver se Andrea recebeu seu bilhete.
Aline estava na porta, a espera de Renato. Ela estava radiante, e o rapaz pela primeira vez teve a certeza de que Aline realmente estava empolgada com tudo aquilo. Com os olhos, a jovem atendente fez um sinal para que Renato entrasse. Ele se aprofundou entre as prateleiras e segundos depois saiu com “Young Frankenstein” nas mãos. Tinha o rosto corado e as mãos trêmulas. Aline soltava risadinhas abafadas como se fosse uma adolescente que acabará de ouvir que sua amiga perdera a virgindade.
Renato abriu a caixa do DVD. Por um instante o mundo parou. Um calor intenso lhe fez queimar a face. Dentro do DVD, um bilhete escrito num papel rosa. Andrea havia lhe respondido a mensagem.

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