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sábado, 3 de abril de 2010

Coelho com batatas


Em dias muitos quentes, normalmente as pessoas sentem preguiça de fazer qualquer coisa. Talvez não sintam indisposição se a atividade for mergulhar numa piscina de água bem gelada, ou tomar um sorvete de três bolas na areia da praia. Para a infelicidade de João Paulo, não foi nenhuma dessas opções que sua mãe havia sugerido para ele naquele dia. Era um sábado realmente muito quente, tão quente que o garoto sempre muito serelepe, naquele dia estava um tanto quanto sonolento. Seus cabelos, finos e negros como carvão, grudavam em sua testa úmida, fazendo com que ele, hora ou outra, passasse a mão com agressividade nos cabelos para desgrudá-los.
João Paulo estava realmente odiando aquele passeio pelo supermercado naquele sábado. Ele sempre gostou de ir fazer compras com seus pais, mas naquele dia, estava apenas na companhia de sua mãe. O garoto adorava quando seu pai os acompanhava nas compras. Seu Valter não media esforços para fazer a felicidade do garoto. Bastava João Paulo pegar um produto qualquer e fazer sua famosa carinha de pidão, que lá estava a caixa de chocolates dentro do carrinho. Com dona Lúcia, sua mãe, as coisas eram diferentes. Ela era uma mulher rígida, advogada, séria. Apenas com um olhar era capaz de fazer João Paulo calar-se. João acreditava que sua mãe era tão brava, que até os sinais de trânsito vermelhos tinham medo dela. Sempre que o carro de sua mãe era impedido de continuar o trajeto pelo semáforo, Lúcia esbravejava um palavrão qualquer, e repentinamente o sinal tornava-se verde. João Paulo não gostava muito de sua mãe, mas como um garoto esperto que era, fingia que sentia algum carinho por ela, para que Lúcia não o cozinhasse junto com o frango e as batatas de domingo.
O supermercado estava relativamente cheio, por todos os corredores os ovos de páscoa pendurados em ganchos chamavam a atenção até dos diabéticos que compravam suas cenouras e seus brócolis. João não entendia porque as pessoas compravam ovos de páscoa no mercado. Era tão mais fácil esperar o domingo de manhã chegar, e o coelhinho levar os ovos para casa, de graça. Talvez o coelhinho não fosse na casa de todo mundo, e as pessoas compravam os ovos para não decepcionarem seus filhos, e achavam melhor enganá-los – pensou o garoto.
Estavam na fila do caixa, quando Lúcia reparou que havia se esquecido de comprar sabão em pó. Pediu então que João ficasse ali, na boca do caixa, que ela voltaria em instantes. Sumiu pelos corredores, entre ovos de páscoa, e vários pais enganadores de filhos.
João ficou ali, olhando com desprezo para aquele bolo de pessoas que brigavam por um pedaço de chocolate. Olhava para todos os lados para ver se encontrava sua mãe no meio da multidão, mas não a encontrava. Resolveu então andar até o meio das prateleiras, ir para um lugar onde tivesse a visão do carrinho, e uma visão melhor do supermercado. Caminhou até a sessão de enlatados, sempre atento, verificando se sua mãe já não voltara, porque, se uma coisa que João sabia bem era que, se Lúcia voltasse, e ele não estivesse lá, sua bunda ficaria mais quente que aquele sábado. Parou, olhou em volta, e finalmente encontrou sua mãe. Ela não o viu, estava concentrada em alguma coisa. João respirou aliviado e estava prestes a voltar para a boca do caixa, junto ao carrinho, quando notou o motivo da concentração da sua mãe. Lúcia segurava em uma das mãos um grande ovo de páscoa, e na outra um grande cartão, que outrora João já tinha visto, e sabia que era uma tabela de preços.
Atônito, João voltou para o carrinho, imaginando que estava sendo enganado o tempo todo. Não acreditava que seu pai seria capaz de mentir pra ele todo esse tempo, nesses seis longos anos de vida. Sua mãe sim, poderia mentir, afinal, era advogada, mas seu pai, não! O que mais eles escondem dele? Talvez Lúcia e Valter nem fossem seus pais verdadeiros. Talvez João Paulo tenha sido adotado, assim como Karine, sua amiga da escolinha. A cabeça do garoto estava rodando. O fato de ter descoberto a inexistência do coelhinho da páscoa daquele jeito perturbou o garoto.
Entrou no carro, a vontade de chorar era grande, mas ele queria ver até onde essa história chegaria.
Na viagem até sua casa, lembrou que ano passado, sua casa ficou cheia de pegadas de coelho, sujando todo o chão, inclusive o sofá, que na época era novo. Lúcia jamais permitiria que seu pai, Valter, sujasse o sofá novo só para manter a magia da páscoa no garoto. Só poderia ter sido um coelho mesmo, ágil e rápido o suficiente para conseguir fugir antes de ser cozido com as batatas – concluiu João.
O pobre garoto estava em duvida constante, vivendo o verdadeiro drama de Hamlet, mas em menores proporções.
Só havia uma maneira de esclarecer essa história. João decidiu que ficaria a espreita, toda a noite, e quando ouvisse o menor dos barulhos, espiaria, de cima da escada, o que acontecia na sala, e então, descobriria se seriam seus pais colocando o ovo na mesinha de centro, ou seria o verdadeiro coelhinho, de pêlo branquinho e olhos vermelhos.
Assim que todos foram dormir, João sentou-se na cama, com uma lanterna do Batman em punho, estava pronto para descobrir toda a verdade.
Após dez minutos sentado ali, o garoto adormeceu. As primeiras luzes do dia atravessavam sua cortina do Ben 10, e iluminavam com tons esverdeados o seu quarto. Um pequeno barulho o fez despertar. João acordou num rompante, um tanto quanto decepcionado consigo mesmo, por ter dormido, mas ainda tinha esperança de descobrir a verdade. O barulho se repetiu, e desta vez, João pode reconhecê-lo. Era aquele barulho típico de papel celofane, que são usados para embrulhar os ovos. João sabia: Ou descobriria toda a verdade agora, ou ficaria mais um ano vivendo à sombra daquela horrível dúvida. Correu como nunca até o inicio da escada, mas como usava meias, teve dificuldade para parar antes do primeiro degrau. Seus pequenos pés deslizaram. João não conseguiu segurar-se no corrimão e caiu. Rolou os 22 degraus da escada, que ligava os quartos a sala. Em meio à queda, viu de relance seu pai colocando o ovo sobre a mesinha.
João não acredita mais em coelhinho da páscoa, não come mais chocolate, nem sente mais as pernas.

2 comentários:

Line disse...

CARLOOOOOOOOOOOOOOOOOSSSSSSSSSSSSSS!!!!

Caramba meu! Não sei porque eu ainda me espanto com os seus finais mais do que trágicos.

Agora você pode dar o telefone da Luciana pro João poder pegar umas dicas! rs

fernanda disse...

jesuisssssssssssssssss

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E eu te pergunto: E dai?