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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Madalena


Era uma noite de maio, talvez a mais fria dos últimos tempos. O vento enrubescia as bochechas das pessoas que insistiam em sair de casa, e qualquer sorriso mais avantajado poderia provocar uma rachadura nos lábios já congelados. Foi devido à intensidade do frio, que Angélica, mesmo estando num dos quartos de motel mais nojentos que já havia freqüentando, estava feliz de não estar do lado de fora. O pequeno quarto era bem precário. Um carpete marrom se estendia por todo chão, e em certos lugares, quando pisado, sentia-se a sola dos pés descalços grudando suavemente no chão. Não tinha muitas mobílias. Um criado mudo com um abajur de porcelana estava do lado de uma grande cama, que ocupava quase todo o dormitório, dando a impressão de que o cômodo era muito menor do que realmente era. Uma poltrona de estofado azul estava estrategicamente colocada num dos cantos, sentado nela, dava-se para analisar tudo o que acontecia no quarto. Era assim que Angélica se encontrava. Sentada na poltrona, ainda nua, dava longos tragos no seu cigarro, e observava aquela cena. Lá de fora, a luz do poste conseguia atravessar a janela e juntava-se com a fumaça que a moça soltava de seus pulmões, criando assim uma cortina mágica, que fez a mulher lembrar-se da nave da Xuxa, dos anos 80 . Para um produto que prejudica a saúde, o cigarro até embelezava o ambiente. Depois de um tempo, Angélica não tragava mais para suprir sua necessidade de nicotina, mas apenas para ver a fumaça densa se dissolvendo no ar, e lembrar-se na sua infância. O grande volume que estava sob a cama se movimentou, soltou alguns grunhidos e voltou a dormir. Angélica sentiu-se aliviada, não queria transar de novo. Não nos próximos trinta minutos, e não mais com aquele homem. De dentro da bolsa, retirou um pequeno frasco, e derramou o pó branco na sua coxa nua. Enrolou uma nota de dez reais, e aspirou tudo numa agilidade quase profissional. Levantou-se e foi ao banheiro. A imagem que via no espelho, não a agradava. Achou seus seios caídos demais, sua pele seca demais, e seus olhos fundos demais. A vida que estava levando nos últimos três anos era demais para aquele corpo mirrado suportar.
Fazia força para acreditar que, no fim das contas, aquele trabalho não era tão doloroso assim. Sempre que alguém a questionava, ela dizia que fazia pelo dinheiro, e também porque gostava. Para dar mais veracidade a sua versão, e sentir-se um pouco menos constrangida, contava em tom de deboche que quando criança, já fazia varias posições do kamasutra com sua Barbie e seu Ken. “Sempre gostei de sexo” – dizia antes de mudar de assunto repentinamente.
O homem acordou, e foi ao banheiro. A bunda peluda e murcha tremia feito gelatina a cada passo que ele dava. Angélica acompanhou aquele caminhar tão pesado somente com os olhos, e segurou-se para não rir do movimento engraço que o membro do senhor fazia. Teve que aspirar mais uma dose de coragem para agüentar tudo outra vez. Deitou-se na cama, e sentiu a textura do lençol. Cheirava forte a naftalina, mas em certos pontos, um perfume suave, provavelmente daquele cliente, amenizava os outros odores.
Assim que a porta do banheiro abriu, Angélica assustou-se com a visão que teve. O homem já estava vestido, e de seus olhos, lagrimas escorriam, molhando as bochechas e penetrando ao meio dos pêlos da barba grossa. Angélica percebeu no ato: Agora sua boca teria outra função, a de falar e aconselhar.
Sentaram-se na cama, e ele começou a desabafar. Contou que tinha mulher, e duas filhas. Angélica se fazia de interessada, mas estava tentando abotoar seu sutiã sem parecer deselegante. Ele tirou da carteira duas notas de cem reais, entre tantas as que tinha ali. Entregou-as a moça, e continuou falando. O homem estava com câncer, e jurou que só aceitou os serviços daquela morena, pois tinha medo de morrer sem ter realizado alguns de seus fetiches. Pediu desculpas, e desabou no choro. Nos intervalos dos fortes soluços que ele dava, dizia em tom baixinho que não queria morrer. Que amava a sua vida.
Angélica se emocionou, afinal, apesar de todos duvidarem, ela também tinha sentimentos. Vestiu-se por completo e sentou-se na poltrona, observando aquela cena triste e patética ao mesmo tempo. Percebeu que seu cliente tinha uns traços muito parecidos com o do seu falecido pai, e se parabenizou mentalmente por não ter tido essa percepção no começo da noite. Isso teria sido muito difícil pra ela, e certamente, mais caro para homem.
Já passavam das vinte e uma horas, e ela ainda teria que trabalhar mais. O homem continuava chorando, e pela primeira vez naquela noite, desejou estar do lado de fora, congelando no frio da madrugada.
Será que você pode me dar uma abraço? – disse o senhor com muita dificuldade. Angélica deve ter feito uma expressão negativa, pois logo em seguida, o homem continuou:
- Estou morrendo, menina. Só um abraço.
Ela caminhou suavemente até ele, deixando pegadas do seu salto agulha no carpete. Ela o abraçou, e por um momento, sentiu-se com seu pai novamente. O homem a apertou fortemente, como uma mãe quando abraça seu filho antes do primeiro dia de aula. Ela entregou-se a esse sentimento, e quase derramou lagrimas junto com aquele desconhecido. As mãos do homem percorreram o seu corpo, e repousaram sob suas nádegas, apalpando-as. As mãos dela deslizaram sob as costas dele, repousando no abajur de porcelana que estava sob o criado mudo. Levantou o objeto e acertou em cheio naquela careca lustrosa. O corpo caiu no chão, já imóvel. Angélica apanhou a carteira, recheada de notas de cem, e colocou dentro da bolsa.
Eram quase dez da noite, e ela já tinha o dinheiro de uma noite toda de trabalho. Respirou aliviada. Chegaria em casa a tempo de contar uma história para sua filha dormir.

2 comentários:

Unicat disse...

cada vez mais cruel...


medo.


ainda bem q sou sua amiga...
sou?

amanda disse...

Adoro a visão realidade nua e crua...

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E eu te pergunto: E dai?